Recordar é viver!!!
É....têm coisas que a gente não esquece!
Há muitos anos atrás, no dia 04 de dezembro de 1971, Mauri César, um colega de Escola, escreveu um texto no meu caderno de recordações. Esse tipo de caderno (para quem se lembra) circulava entre os colegas e nele mensagens de amizade, de despedida, de carinho eram escritas. A mensagem dele, foi um teto longo e original, que foi carinhosamente guardado por mim por todos esses anos. Vou transcrevê-la abaixo, conforme foi escrita.
Não tive oportunidade de lhe perguntar quem era o autor. Hoje, ainda lembro da ansiedade que senti ao ler essas páginas e o impacto que elas trouxeram para mim. N este mesmo dia, a minha família mudou-se para outra cidade e perdi o contato com ele. Nunca mais nos encontramos.
Esse post é em sua homenagem, Mauri, meu amigo da 4a. série B, do então Colégio Estadual Campograndense!
"OLÁ ISABEL!
Benvinda ao mundo! Há um momento junto ao seu berço eu estava pensando: se Isabel pudesse me compreender eu lhe falaria sobre a vida. Não é isso que é um padrinho? Nesse instante você agarrou um dos meus dedos com os seus cinco, olhou para mim e de repente não tenho mais tanta certeza de que você não me compreenda. Por isso, vou lhe contar uma coisa que aprendi sobre a vida: é pura mágica. Estar vivo na terra é pura mágica!
Você parece não estar mais me escutando, Isabel. Você está ai deitada, gorgolejando, explorando as formas e sombras de seu berço, as decalcomanias de bichos da cômoda, coisas novas e maravilhosas.
Eu queria que você tivesse visto Clio, a barriga grande com você lá dentro, correndo para todo canto, procurando o berço perfeito, a cômoda certinha, os posteres mais alegres. Cada coisa que ela comprava era um ato de amor. Pense nisso: ela gostava de você antes de vê-la. Há alguma explicação possível para isso a não ser mágica?
Clio e Benny resolveram que você seria menina cinco meses antes de você nascer. Eu lhe pregava sermões: nem a ciência sabe se o bebê vai ser menino ou menina. Mas Clio e Benny sabiam, como mágica.
Seu pai tinha cabelos compridos e desgrenhados e um bigode grande e caído. E usava sempre as mesmas roupas hippies horríveis ou lindas. As seis horas da manhã já estava trabalhando no couro, e tudo isso porque, e tudo isso porque, como diria ele, Isabel estava a caminho.
Engraçado, você é minha filhinha, sou seu padrinho. Somos ligados pela fé em Deus. Mas quem é Deus? Bem, seu pai e sua mãe tem sua religião (ignoro ela). Isso não explica o que é Deus, não é? Pois bem, vou tentar outra vez.
Olhe em sua volta, Isabel. Olhe para tudo. E tente contar as coisas. Você não consegue. Mesmo quando for à Escola e lhe apresentarem a nova Matemática ou a Matemática nova, nem mesmo assim você conseguirá contar todas as coisas: todos os flocos de neve, árvores, folhas de grama, todas as pessoas, estrelas, idéias, formas e sombras, todos os pensamentos e sentimentos dentro de você são demais para contar. Demais para todos os computadores, em todos os planetas, em todo o firmamento.
Talvez seja isso que seja Deus. Talvez tenha sido Deus quem inventou uma diversidade tão infinita, uma novidade tão sem fim, que Ele pode contar tudo. Talvez seja esse o milagre de Deus: cada uma de todas essas coisas é diferente de todas as outras coisas. Não há dois flocos de neve iguais, nem dois grãos de areia, nem dois seres humanos. E no entanto - observe bem - ABRACADABRA! Tudo é exatamente igual a todo o resto. Tudo é exatamente igual a todo o resto. Tudo é feito dos mesmos minúsculos prótons, neutrons e eletrons girando magicamente. E isso abrange tudo, inclusive seu berço, meu dedo, o céu além de sua janela. Tudo ligado de alguma maneira, tudo parte da mesma fantástica trama de maravilhas.
Há pessoas que não querem ver a mágica, porque dizem que é coisa infantil e elas tem medo de que outra gente grande ria delas. Assim, trancam seus sentimentos e a criança trancada dentro fica perdida e inatingível. Coitadas, quando chegou a hora de crescer, só fizeram encolher. De modo, que não são realmente gente grande, são gente encolhida.
Mas você, Isabel, tem cinco dias de idade. Você não está preocupada com a idéia de que possam rir de você. Você nunca ouviu falar de tédio, você está por demais ocupada, cada instante aprendendo novos truques mágicos. Você já sabe anunciar estou com fome ou estou molhada. Você está aprendendo a alcançar, a manipular esses seus dedinhos das maneiras mais complicadas e delicadas. A segurar e a examinar coisas que lhe interessam, como fez com o seio de sua mãe ainda a pouco, na hora do almoço.
É bom aprender alcançar, Isabel. Durante toda a sua vida haverão novas maravilhas diante de você e só há uma maneira de conseguí-las: alcançar! Daqui a pouco, você vai aprender a sentar-se, a arrastar-se e a engatinhar. E, de repente, aquela sala de estar enorme de três por quatro será parte dos seus domínios. Lá estará você: Isabel, a viajante! Um belo dia você engatinhara até uma cadeira e se puxará até ficar de pé. Agarrará com as suas duas mãos, tremendo de alegria e de medo. Então, esperará, tomará folêgo e largará a cadeira. Você cairá e chorará. Mas, outro dia, você tentará outra vez e cairá outra vez! Então, um dia, você largará a cadeira e, por uma proeza de equilíbrio maior do que qualquer acrobata, ficará de pé! Sozinha, cambaleante, vacilando, apavorada - mas de pé! Nos seus dois pés, talvez por cinco segundos.
Então, num dia mágico, você resolverá que está na hora de dar seu primeiro passo. Devagar você porá um pé a frente... cairá, mas não desistirá. Não importam os machucados no traseiro ou os galos na cabeça, você continuará tentando. E lá vai!!! Você andará! Num mundo em que gente grande e ajuizada desistiria depois da segunda ou terceira queda, onde gente encolhida, convencida diria: "andar não é prático,prá que lutar contra moinhos de vento?" Onde até a ciência diria: "tenho falhado repetidas experiências, a pesquisa foi interrompida aguardando descobertas tecnológicas relativas a mecanismos do equilíbrio". Num mundo assim, você cairá mil vezes, mas se levantará mim vezes e andará, porque você sabe que vai andar!
Mas... como você sabe que vai andar, Isabel? Mágica, talvez?
Em todos os minutos de sua vida você estará cercada de maravilhas. O primeiro sorvete, o primeiro passeio na chuva, os pingos d'água caindo na sua língua, o primeiro balanço num pneu velho, a primeira barrigada na água, o primeiro beijo. Essas são maravilhas externas. Veja, Isabel, há outro país de maravilhas dentro de você. Coisas malucas de pernas para o ar, que farão você rir, sentimentos lindos e ardentes que farão você sorrir, a adrenalina correndo para o estomâgo quando você tiver medo... Mas, veja: o que você sentirá será diferente de tudo quanto qualquer outra pessoa jamais sentiu. Você é você, Isabel. Esplêndida, única na espécie, nunca vista, nunca duplicada.
Você descobrirá habilidades que nem suspeitara. Você tinha idéia que sabia assobiar? ou que sabia rebater uma bola que lhe era arremessada com força? ou trocar roupa sozinha? ou plantar bananeira? Você, Isabel, descobrirá dons que Deus lhe deu antes de você nascer - para a ciência, para a matemática, para a música, talvez para desenhar.
E, um dia, numa daquela milhões de surpresas fantásticas da vida, você conhecerá um rapaz. De repente, uma mistura de elementos químicos que a ciência nunca analisou jorrará através de vocês dois. Você gaguejará. A mão dele roçará a sua e você se sentirá fervendo, indefesa, incapaz de fazer coisas sensatas ou de gente grande.
A essa brilhante explosão de sentimentos chamamos amor. Sua mente, seus sentidos de repente se concentrarão sobre ele. Você perceberá novos significados em canções que já ouviu, embora você saiba que poesias é coisa de maricas... Será distraída e brilhante, terá coragem de lutar contra um dragão, mas será cautelosa ao atravessar uma rua com cuidado para se manter viva. Vocês dois terão pena de todos os que não estão apaixonados, pois o amor é raro, preciso e mágico também.
Você olhará para si refletida na imagem dele e verá como é bela, forte, meiga, alegre e livre e pensará: "tenho que pensar com ele durante todos os minutos da minha vida futura." A gente encolhida aparecerá e dirá: "não se comprometa com outro ser humano! Por que confiar, por que se arriscar a ser ferida??" Cuidado! Isso é tolice de gente encolhida! Não ligue para ela e lembre-se de como aprendeu a andar.
Não é hora de encolher, Isabel! Procure alcançar! Procure alcançá-lo! E um milagre ocorrerá: o EU e o TU de vocês dois continuará ali, mas do nada surgirá uma criatura nova e maravilhosa. Seu nome é NÓS! E em breve acontecerá a coisa mais maravilhosa de todas: ABRACADABRA! Um BEBÊ! Um lindo novo ser, especial e único, individual e insubstituível.
Um dia, ele estará deitado em seu berço, com cinco dias de idade, gorgolejando. Quando você se debruçar sobre ele, ele agarrá o seu dedo com uma mãozinha gorducha, como você está agarrada agora ao meu. E você há de querer lhe falar sobre a vida!
OLÁ ISABEL! BENVINDA AO ESPETÁCULO DE MAGIA DO SENHOR!
Oi Isabel, gostei do seu blog e de suas postagens e escritos. Eu também no CEC nos idos de 1969/1972 mas não sei se estudamos nas mesmas turmas...Sou de Campo Grande e atualmente moro em Brasília...
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